Os 10 mitos da IA em projetos comporativos de alta complexidade

18/09/2025 Por Ramon Durães

Nos últimos anos a inteligência artificial deixou de ser apenas promessa e passou a ocupar o centro dos discursos corporativos. Apresentações impecáveis, provas de conceito impressionantes e manchetes otimistas criaram a sensação de que bastaria ligar a IA aos sistemas legados, aos bancos de dados com centenas de tabelas mal projetadas, às integrações frágeis e às regras de negócio guardadas na memória de poucas pessoas para que tudo magicamente se organizasse.

Hoje compartilho uma reflexão baseada em experiência prática apoiando projetos de IA no mundo real e, portanto, compartilho reflexões sobre cenários comuns que talvez você já tenha observado e possa lembrar de algum contexto.

O fato é que quem vive projetos reais tem observado uma empolgação combinada à pressão por adotar IA, o que também traz uma era de ingenuidade. Há quem acredite que basta esforço e algumas apresentações em PowerPoint para que tudo funcione.

Só que tecnologia não substitui estratégia, governança, dados confiáveis, objetivos claros e planejamento estruturado com entregas em estágios. Sem isso a IA não cria inteligência, apenas acelera a desordem existente e se perde em silos isolados que não colaboram entre si.

Acompanho projetos complexos de software há anos ajudando empresas em consultoria, desenvolvimento de software e em iniciativas de inteligência artificial. Em todos os lugares encontro os mesmos desafios, compreender o problema real, definir os ganhos esperados e desenhar uma jornada de habilitação consistente.

A disciplina que sempre guiou o desenvolvimento de software precisa estar presente também nos projetos de IA, com fundação sólida, escopo definido, estágios claros, homologação criteriosa e acompanhamento contínuo. Quando essa disciplina é ignorada, o que surge são provas de conceito impressionantes que raramente evoluem para soluções que entregam valor real ao negócio.

A lenda das provas de conceito sobreviveu ao momento da IA e tem gerado muita desilusão e quebra de expectativa. A vida real de quem trabalha com sistemas complexos é bem diferente do que uma prova de conceito costuma mostrar.

Em muitos casos a experiência acumulada em anos de desafios do negócio é esquecida assim que uma PoC brilha em um ambiente isolado, com dados limpos, escopo reduzido e zero compliance. Surge a ideia de que tudo está pronto para produção em poucas horas só porque é um projeto de inteligência artificial e, em teoria, deveria superar automaticamente latência, custos, usuários reais e riscos de segurança.

Na prática o que se vê é bem diferente, já que projetos sérios precisam de escalabilidade, eficiência computacional, LLMOps, observabilidade, auditoria e melhoria contínua, não apenas a demonstração de um protótipo que funciona bem em condições ideais.

Chegou a hora de compartilhar os dez mitos mais comuns que cercam a utilização de inteligência artificial em projetos de alta complexidade para que possamos refletir e amadurecer sobre abordagens de como construímos empresas digitais potencializadas por inteligência artificial.

1. IA não é plug and play

Hoje muitas empresas entram em projetos de IA esperando soluções rápidas, como se fosse apenas instalar uma ferramenta e começar a colher resultados. A realidade é que IA precisa de ajustes contínuos, adaptação aos dados da empresa, treinamento de equipes e integração com processos já existentes. Sem governança de dados, gestão de mudança e definição de métricas de sucesso, as provas de conceito raramente chegam à produção. A tecnologia só gera valor quando existe maturidade organizacional, ciclos iterativos de evolução e alinhamento claro entre negócio, tecnologia e pessoas.

2. A IA e o banco de dados legadão com milhares de tabelas

Em muitas empresas que apoio em consultoria, conferências técnicas e encontros com profissionais de tecnologia observo o que costumo chamar de jornada às estrelas.

Uma crença ingênua de que tudo que passa por um LLM automaticamente vira ouro. No meio desse entusiasmo aparece a ilusão de que um banco de dados contaminado por décadas de implementações equivocadas, evoluções sem padrão e mistura aleatória de dados e contextos conhecidos apenas por poucos mantenedores poderá gerar respostas estratégicas apenas com queries criadas por IA.

Tudo isso sem curadoria, sem dicionário de dados e sem estrutura adequada. A realidade é que mesmo abordagens modernas como RAG, valiosas para indexar informações corporativas, podem devolver respostas erradas para o agente de IA com confiança absoluta quando o fundamento está desorganizado.

Um mapeamento do cenário e implementação de ferramentas customizadas para export “Tools” ou “MCP” aos agentes de IA apresentam um retorno seguro pela otimização da utilização do acesso a dados apenas no contexto relevante ao cenário.

3. Agente de IA não substitui o cientista de dados

Um desafio recorrete que encontro é a crença que um agente com LLM pode treinar modelos, processar grandes volumes de dados e substituir o trabalho de cientistas de dados e a realidade é bem diferente. Implementar uma aboragem de Machine learning (ML) exige pipelines, engenharia de dados e infraestrutura para treinar e ajustar modelos. Os agentes e LLMs usam esses modelos já prontos para interpretar dados, gerar insights e automatizar processos. Cada um tem sua função e confundir os papéis só leva a expectativas irreais.

4. A IA substitui a análise de negócio

Há uma fantasia comum é que algoritmos vão descobrir regras de negócio escondidas no caos corporativo. Só que essas regras muitas vezes existem apenas na cabeça de quem trabalha há anos nos processos. Sem requisitos claros e documentados a IA só acelera o erro. É como construir um prédio com os melhores engenheiros mas sem planta. O resultado não é inteligência, é improviso automatizado. Esse tema ainda gera muito espanto quando questiono sobre o escopo com clientes e é visível a quebra de expectativa quando convido para a real necessidade de se planejar os objetivos de negócio a serem resolvidos.

5. Agentes autônomos resolvem integrações legadas

Os agentes de IA são aplicações inteligentes que conseguem tomar decisões e hoje contam com protocolos como o Model Context Protocol (MCP) para construção de ferramentas que habilitam integrações e o Agent2Agent Protocol (A2A) para habilitar comunicação entre agentes de IA. Há quem acredite que basta colocar agentes autônomos para resolver décadas de integrações frágeis. Na realidade, mesmo com o MCP você precisa construir toda a camada de habilitação da mesma forma que faria em um cenário tradicional, com uma arquitetura consistente, resiliência, observabilidade e governança.

6. Documentação tornou se obsoleta

Em tempos de IA, muita gente acredita que a documentação não é mais necessária. Mas o Context Engineering mostra o contrário. Ele é uma das principais bases para uma estratégia de IA eficaz, pois foca em projetar e gerenciar o contexto em que os sistemas de IA operam para garantir que entendam corretamente as instruções e forneçam respostas mais precisas. Isso envolve estruturar informações, definir regras claras e criar padrões de comunicação que reduzam ambiguidades. Uma documentação clara e bem estruturada fornece o contexto essencial para que modelos de IA e sistemas técnicos compreendam processos, termos e objetivos. Sem ela, o contexto se perde, prejudicando a qualidade das interações e da automação.

7. Ignorar aspectos legais e regulatórios

Subestimar leis de proteção de dados e regulações emergentes de IA cria risco real em produção. No Brasil, a LGPD impõe obrigações rigorosas para tratamento e segurança de dados, assim como o GDPR na Europa e o AI Act na Europa para sistemas de IA. Implementar IA sem considerar compliance, privacidade, auditoria e rastreabilidade amplia riscos em setores financeiro, saúde e governo. Inovação precisa caminhar junto com segurança jurídica e responsabilidade ética para evitar multas, perda de credibilidade e impactos regulatórios.

8. Segurança e confiabilidade são detalhes

Respostas inventadas parecem falhas técnicas em laboratório, mas em ambientes reais viram risco financeiro, regulatório e de reputação. Modelos sem sandbox, filtros e validações adequadas são alvos de jailbreaks e prompt injections. O caminho de trincheira inclui adotar Guardrails, política de avaliação sistemática de alucinações em dados críticos, red teaming recorrente, validação de fontes, isolamento de ferramentas, revisão de permissões e observabilidade fim a fim. Erro vira aprendizado quando existe telemetria, trilha de auditoria e feedback fechado no ciclo de melhoria contínua.

9. Custos são previsíveis sem governança

Os projetos começam com orçamento fixo e terminam com surpresas quando não há FinOps e governança. O consumo de modelos varia com prompt, contexto, tamanho de lote, latência e volume de usuários. Atuar sem política de dados, papéis definidos, revisão de riscos e controles, a automação vira fábrica de incidentes. A prática vencedora une FinOps, LLMOps, políticas de dados e SRE para orquestrar por eficiência, estabelecer limites, medir uso por caso de negócio e ajustar arquitetura conforme perfis de carga.

10. A IA substitui especialistas humanos

Há quem ache que os especialistas serão dispensáveis. Na prática eles apenas mudam de papel. Viram curadores de dados, arquitetos de contexto, validadores de processos. Sem eles a IA entrega estatísticas sofisticadas mas sem ligação com a realidade do negócio. O resultado não é inteligência, é ruído bem formatado.

Considerações finais

Os dez mitos deixam claro que não é a tecnologia que fracassa, mas a forma como as empresas estruturam seus projetos de inteligência artificial. A pressa por resultados, somada à falta de governança, dados organizados e objetivos bem definidos, cria terreno fértil para frustração e desperdício.

Os projetos bem sucedidos começam pequenos, com dados consistentes, políticas de segurança e práticas de FinOps e LLMOps para controlar custos e riscos.

É essencial envolver especialistas humanos, definir métricas de sucesso e adotar observabilidade para aprender com erros e evoluir continuamente. Sem esses pilares, a IA apenas acelera a desordem. Com eles, torna se uma aliada estratégica para gerar eficiência, inovação e valor real para os negócios.

O futuro da inteligência artificial corporativa não está em promessas, mas na capacidade de unir tecnologia, governança e inteligência humana para construir soluções sólidas e sustentáveis.

E você, na sua opinião, qual desses mitos é o mais crítico para o futuro da IA nas empresas? Deixe seu ponto de vista nos comentários para aprofundarmos o debate. Se quiser conversar mais sobre como transformar IA em valor real para o negócio, fique à vontade para fazer contato.