O erro que 90% dos programadores cometem ao criar plataformas digitais

23 de setembro de 2024 Por Ramon Durães

As empresas continuam falhando no desenvolvimento de novas plataformas digitais, cometendo erros comuns, muitas vezes previsíveis. Se existe um contexto em que não se pode ser inocente, é no desenvolvimento de software.

Se você acha que criar um software para uma intranet é o mesmo que construir um produto digital para milhões de usuários, está cometendo um erro grave, que geralmente esgota todo o investimento em modernização e provoca danos irreparáveis, muitas vezes exigindo a reestruturação completa do software.

Atuo no mercado de software há 30 anos, apoiando projetos complexos e colaborando com desenvolvedores e empresas para promover uma mudança de paradigma. Essa mudança é necessária, seja por questões culturais, crenças limitantes ou legados que se arrastam por anos, incapazes de responder às exigências da inovação.

Eu ainda lembro bem de quando iniciei minha jornada no desenvolvimento de software nos anos 90, com uma linguagem chamada BASIC. Rapidamente migrei para o Visual Basic 3, onde atuei como professor de um curso técnico e desenvolvedor independente, criando e comercializando sistemas para locadoras, automação comercial e gestão simples de pagamento de pessoal. Cada projeto era uma adaptação, soluções específicas para cada cliente.

Era o momento de ouro do Windows, e as aplicações cliente/servidor estavam em alta. Recordo-me de como fazia as implantações de software: copiava programas em disquetes, enfrentando falhas imprevisíveis. Se você nunca viveu isso, talvez nem saiba o que é uma publicação manual de software no estilo “raiz”.

Com o avanço da internet, as empresas começaram a adotar redes internas (intranets) para as suas operações. Essas aplicações raramente eram públicas, então os riscos eram mínimos: bugs afetavam poucos usuários, a segurança era menos crítica e a performance não era uma grande preocupação.

Entre 1999 e 2005, desenvolvi muitas aplicações web, algo que para mim era natural, mas ainda incompreendido por muitos. E, incrivelmente, até hoje esse paradigma confunde profissionais. A falta de visão digital leva ao desenvolvimento tradicional, sem estruturar o software para as demandas da era digital — um erro recorrente e o motivo deste artigo.

A pressão da concorrência forçou as empresas a levar seus serviços para o ambiente online, e isso expôs uma diferença brutal: criar uma aplicação para uso interno em uma intranet controlada é muito diferente de desenvolver um produto digital para milhões de usuários, 24×7, num ambiente global e imprevisível.

O desenvolvedor de software interno frequentemente negligencia aspectos críticos como performance, escalabilidade e segurança. Trabalhando em um ambiente controlado e previsível, essas questões parecem menos urgentes. Já o desenvolvedor de produtos digitais enfrenta um cenário radicalmente diferente: milhões de acessos simultâneos, a necessidade de garantir alta disponibilidade, resistir a ataques e otimizar cada milissegundo, especialmente em dispositivos móveis e regiões com baixa conectividade. Aqui, o impacto de uma falha reflete diretamente no faturamento e na experiência do usuário.

As empresas que desenvolvem software corporativo para poucos usuários costumam conviver com problemas de performance, mas seguem utilizando o sistema por pura necessidade. Agora, imagine migrar isso para um ambiente público. Picos de demanda, como campanhas de marketing ou Black Friday, exigem arquiteturas escaláveis e resilientes. Não é algo que se resolve da noite para o dia, mas sim com planejamento contínuo desde o início.

Em mais de 20 anos de consultoria, atendi empresas de todos os portes, incluindo algumas que faturam bilhões. É comum ver falhas de performance mesmo em ambientes internos. Uma vez, em uma auditoria de software, descobrimos que uma empresa fazia seus funcionários trabalharem em turnos opostos porque o sistema não suportava o uso simultâneo. Imagine isso em um software público na internet, onde a otimização é crucial para manter o faturamento.

A segurança no desenvolvimento de software ganhou atenção especial recentemente como nunca antes. O velho firewall já não é suficiente. No mundo digital, onde plataformas são expostas a ataques 24×7, vulnerabilidades são inaceitáveis. A segurança deve ser um pilar central desde o primeiro dia, e práticas como DevSecOps são fundamentais com uma forte cultura de desenvolvimento seguro.

Entrevistando centenas de desenvolvedores ao longo dos anos, notei um padrão: falta de planejamento, baixa consciência técnica e uma cultura focada em “colocar o software em produção” sem considerar as fundações de padronização, desacoplamento, manutenibilidade, testabilidade e arquiteturas modernas como: microsserviços, alta performance, cache, CDNs, etc. Essas abordagens são frequentemente ignoradas, salvo raras exceções.

Por ironia, esses sistemas mal projetados, de repente, precisam suportar grandes volumes de usuários. O que era subestimado se torna um gargalo. A concorrência acirrada, clientes exigentes e um mercado em constante evolução destacam a falta de preparação técnica. Certa vez, durante uma consultoria, uma pessoa, perplexa, me disse: “Estou tendo problemas com IDs duplicados gerados por data e hora”. Era uma aplicação interna que, ao ser exposta externamente, revelou um problema básico de concorrência.

Em outra ocasião, durante um grande projeto de e-commerce, questionei um DBA sobre a performance de uma operação. Ele, confiante, rodou uma query na máquina dele e disse que estava “eficiente”. Pedi para ele testar com 10, 100 e 1000 usuários simultâneos. Ao ver o resultado, o profissional percebeu o tamanho da ingenuidade. Competente no que fazia, ele não estava preparado para a mudança de contexto que uma plataforma digital exige.

Profissionais com alta consciência técnica sabem a importância de projetar para o futuro. Arquitetura distribuída, APIs bem desenhadas, microsserviços e escalabilidade são habilidades essenciais desde o inicio do software. Isso vai além do que um desenvolvedor de intranet enfrenta no dia a dia, especialmente quando os gestores priorizam metas sem se preocupar com a qualidade do software — um tema que merece outro artigo.

A maturidade arquitetural necessária para construir produtos em larga escala é muito maior do que a exigida para projetos internos. É crucial que os profissionais reconheçam suas limitações e saiam de sua zona de conforto. Ego, inocência ou conformismo muitas vezes impedem esse crescimento, sustentados por crenças limitantes ou pela manutenção do status quo e apoiado por frases “sempre fizemos assim”.

Será que um programador de intranet está pronto para criar produtos globais? Desenvolver um website já te qualifica para criar um SaaS (Software as a Service)? A evolução acontece quando reconhecemos nossas fraquezas e buscamos alternativas para superá-las. Infelizmente, ainda é comum encontrar profissionais presos a práticas obsoletas, que não atendem mais ao cenário atual.

O desenvolvimento de software vai muito além de programar para ambientes internos. A mudança de perspectiva necessária para criar plataformas digitais escaláveis e seguras exige mais do que habilidades técnicas; envolve uma consciência profunda sobre arquitetura de solução, arquitetura de software, arquitetura de cloud, performance, escalabilidade e segurança, com definições claras em uma estratégia de continuidade para o software.

Alguns itens importantes para reflexão e alinhamento com todas as pessoas envolvidas nos projetos:

Diferença de contexto: Desenvolver para uma intranet ou ambiente controlado ignora muitas questões críticas que são essenciais para plataformas públicas de grande escala, como performance, segurança e escalabilidade.

Performance e escalabilidade: Softwares internos costumam tolerar baixa performance, mas plataformas digitais exigem uma otimização constante para lidar com milhões de usuários, picos de demanda e operações em tempo real, sob o risco de perder receitas e clientes.

Segurança como prioridade: Aplicações internas costumam operar em zonas de conforto. Já em plataformas públicas, a segurança precisa ser um pilar desde o início, com práticas como DevSecOps integradas ao processo de desenvolvimento, ou os riscos de falhas e ataques aumentam drasticamente.

Arquitetura distribuída: A arquitetura de um software precisa ser planejada para suportar crescimento. Microsserviços, APIs bem projetadas, e mecanismos de cache e CDNs são essenciais para garantir a performance e escalabilidade, principalmente em plataformas globais.

Testes e simulações em escala: O desenvolvimento de plataformas digitais exige testes de carga e simulações com múltiplos usuários, algo frequentemente negligenciado em projetos internos, mas crucial para evitar gargalos de performance em ambientes públicos.

Cultura e liderança: Gestores muitas vezes focam em “colocar o software em produção” sem garantir que as fundações arquitetônicas e boas práticas estejam sendo seguidas. Esse foco excessivo em metas de curto prazo compromete a qualidade e sustentabilidade do software.

Ego e zonas de conforto: Desenvolvedores que não reconhecem suas limitações e não buscam sair da zona de conforto, seja por ego ou conformismo, colocam o crescimento técnico pessoal e o sucesso do projeto em risco. A transição para plataformas digitais requer uma visão muito mais ampla e preparada.

Requisitos de continuidade: Desenvolver software para um ambiente de milhões de usuários exige uma estratégia contínua de manutenção, atualização e monitoramento. Isso vai além do “entregar e esquecer”, comum em projetos internos.

Consequências do erro: Falhas de performance, segurança ou escalabilidade em plataformas públicas têm impacto direto no faturamento, na reputação da empresa e, muitas vezes, na sobrevivência do negócio.

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Até a próxima !!!

Ramon Durães
VP Engineering @ Driven Software Strategy Advisor
Devprime